trash island #1 - metaverso semanas de moda e halloween
explorando a internet fisicamente (ou quase)
O METAVERSO
Passei as últimas semanas completamente imerso na tentativa de entender melhor o metaverso para uma matéria que não saiu ainda. De forma resumida, o metaverso é o teorético próximo passo da internet, uma mistura de todas as tecnologias que temos em um espaço de realidade virtual, que às vezes vaza pro mundo real e vice-versa. É tipo Fortnite ou VRChat, mas com toques daquele curta colombiano em que as propagandas do mercado conversam com você.
Eu curto muito o conceito não só por ser o escape perfeito para o decaimento da carne, mas pelo potencial infinito de um mundo construído por modders e adolescentes desocupados em que o único limite é a imaginação.
Eu não quero viver num mundo desenhado pelo Barão de Haussmann ou Le Corbusier ou Robert Moses. Eu quero viver num mundo desenhado por viniccius13. Isso é o metaverso.
Se as redes sociais falharam completamente, o metaverso é a proposta da volta para um rolê meio Geocities: focado em comunidades, em conteúdo gerado por usuários e expressão pessoal fora da lógica behavorista dos likes e ads direcionados.
O maior problema é: alguém precisa construir o Metaverso™. Pode ser a Epic, pode ser o Roblox Studios, talvez a Tencent ou a empresa-anteriormente-conhecida-como-Facebook. Vale lembrar que o fundador da Oculus, plataforma VR que é uma das apostas da Meta™ para isso, hoje se dedica a apoiar republicanos e caçar imigrantes com a ajuda da Palantir.
Assim, a descentralização e interoperabilidade que estão na base do conceito estão ameaçadas pela mesma lógica monopolista que dominou as redes sociais. Em troca disso, Zuckerberg oferece escritórios em realidade virtual. Não basta ser distópico, tem que ser entediante.
E aí entra aquele ponto em que todas as tecnologias passam de inovadoras e cheias de potencial para mais uma ferramenta deprimente da publicidade. Em algum momento eu achei que as influencers 3D eram um comentário irônico sobre a cultura do Instagram que levaria. Hoje só quero que todos os mascotes de marca sejam extirpados. Em algum momento achei que criar um Twitter era uma ideia boa.
Jogador Nº 1 sempre é citado como exemplo de como o metaverso funciona, mas acho que traz um ponto mais importante: a disputa entre criadores e empresas pelo controle da finalidade desse espaço. Em 2007, o Google tentou criar um metaverso para concorrer com o Second Life e fracassou miseravelmente em poucos meses. A única chance do metaverso funcionar desta vez é um fracasso do Facebook e seus similares.
SEMANA DE MODA
As semanas de moda voltaram presencialmente e depois de 1 ano, a sensação é de ter alguns dos melhores designers da história vivendo seu auge junto da decepção de nada ter realmente mudado como foi prometido. Teve muita coisa ótima, muitas mais péssimas, mas vou resumir os que mais curti conceitualmente:
Balenciaga: O Demna Gvasalia é o designer mais surpreendente e consistente que temos. Depois de desfiles apocalipticos e videogames e ressuscitar a haute couture, ele encaixou um show conceitual disfarçado de red carpet e ainda conseguiu o impossível: um episódio bom de Simpsons em 2021. Ele é um caso bem único de alguém que consegue ser conceitual nível Margiela (onde começou a carreira) mas também comercial suficiente pra conseguir emplacar parcerias com Crocs e Fortnite.
Bottega Veneta: Para quem acompanha de longe a Bottega é mais conhecida por vender fios de telefone por milhares de reais ou pelas botas que foram hit recentemente, mas o trabalho do Daniel Lee é dos mais interessantes que rolam atualmente. Curti demais a escolha por abandonar o calendário tradicional da moda e por escolher Detroit como sede do desfile, uma maneira de homenagear o lugar de nascimento do techno. A tentativa de integrar com a economia e referências locais, fugindo da atitude predatória típica da moda, parece que deu certo considerando que a trilha do rolê foi feita por Moodymann e Carl Craig.
Anrealage: A marca japonesa fez um desfile complementar ao trabalho de figurino do Kunihiko Morinaga no filme novo do Mamoru Hosoda, Belle (quero mt ver). O desfile foi feito em várias camadas, com as roupas aparecendo em sua forma física, em modelos 3D e dentro do anime, integrando nos temas sci-fi do filme. Não vi muitos veículos comentando, mas no Youtube fez bastante barulho.
HALLOWEEN
O Ye é o vencedor do Halloween desse ano, por antecipação, por mostrar o horror de uma cultura obcecada por imagens e fazer de sua própria vida uma performance - orquestrada também por Demna Gvasalia. O texto que mais curti no mês fala sobre essa destruição da própria identidade, a frustração de não conseguir traduzir suas ideias e a dicotomia Kanye x Grimes como caminhos para o futuro da cultura. Espero ver muita gente de Michael Myers e Fantômas em homenagem.
A Online Ceramics é uma marca americana inspirada pelo Grateful Dead que ficou bem famosa nos últimos anos. Nesse Halloween fizeram uma collab com o Ari Aster, mas a peça mais legal é uma camisa sobre reciclagem de corpos. Descobri com ela os caixões de micélio, material tendência na moda, que transformam cadáveres em nutrientes. Então fica a ideia para quem planeja morrer nas próximas décadas.
A Sufgang é a marca daqui que melhor desenvolveu essa mistura de refs de terror com trap e funk. Li uma entrevista com o criador da marca falando sobre as inspirações nos filmes e games e dei mt valor.
Há alguns anos escrevi sobre as coleções do McQueen inspiradas nos filmes de horror, tipo Kubrick, Pollack e Ferrara. Ainda considero ele o melhor de todos nisso. Queria muito ver no futuro alguém na mesma linha, criando em cima de games como Silent Hill, Dead Space e Resident Evil.
ESTAMOS OUVINDO
Magdalena Bay - Mercurial World
Li uma entrevista falando sobre as inspirações deles em jogos flash, webdesign y2k e tik toks estranhos. O som também é uma versão atualizada do que escutei em 2010 e 2011, talvez primeiro disco do chillwave revival?
Injury Reserve - By The Time I Get To Phoenix
Passei o mês obcecado pela música que fala sobre como os algoritmos continuam recomendando conteúdo mesmo depois que você morre.
Lil Ugly Mane - Volcanic Bird Enemy and the Voiced Concern
Quando eu fico triste por passar tempo demais na internet é tipo isso.
Pinkpantheress - To Hell with It
Reinventando o drum’n’bass pro TikTok
HYPERLINKS
ArchivePDF (Tumblr) - uma das partes mais legais do tumblr eram os arquivos de coisas raras. Esse blog reúne vários scans raríssimos de moda, principalmente japonesa. Alguns dos meus favoritos: o livro do Raf Simons de 2005, essa retrospectiva do Margiela numa revista de 1999, e o catálogo da CdG com o Katsuhiro Otomo.
Billionaires See VR as a Way to Avoid Radical Social Change (Wired) - O outro lado do metaverso. Concordo com as duas posições.
A Tiny Gas Meter? The More Mundane the Better for Japan’s Capsule Toys (NYT) - Como funcionam os gachas da vida real
Como as redes digitais demolem a cultura e ampliam a ansiedade (Folha) - Essa é uma anti-recomendação, só para ressaltar que “canais de áudio do Discord, fóruns anárquicos na internet e na darkweb, em ferramentas de edição e design para crianças como o Gacha Club, em plataformas como o Roblox e, sobretudo, no TikTok” não são o fim da cultura, mas algo muito mais legal vindo por aí.
The ‘TikTok Necklace’ Sparks a Vivienne Westwood Renaissance (NYT) O lado bom da demolição da cultura e dos fins dos cânones™ que aterrorizam o texto anterior: os jovens descobrindo a Vivienne Westwood no TikTok. Somos a favor!
O street style está de volta às ruas (Elle) - Obcecado pelos perfis retratando a moda de rua em NY e todos os outros lugares. Queria muito um street style menos focado em desfiles (tryhard demais, só convidados, etc) e mais focado nas ruas. De longe, os lugares que mais vi looks interessantes na vida são o metrô de SP e as rodoviárias. Vi no TikTok algo parecido rolando com música também: a galera ouvindo Death Grips, Sunn O))) e Machine Girl nas ruas. É hora de acabar com a cultura da influência e trazer a construção estética de volta pros anônimos.
FIM
Essa edição foi um teste. Se curtiu, repasse, mas principalmente responda o que achou - não vou mudar, mas pode garantir a continuidade. Obrigado e até algum dia.
Foda demais, primo!!!
Foda demais, primo!!!